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Mensagens

A mostrar mensagens de dezembro, 2008

O QUE NÃO SE RECORDA poema de Luis Rosales ( Espanha)

O QUE NÃO SE RECORDA Para voltar a ser feliz era somente preciso ser hábil ao recordar. Buscávamos dentro do coração nossas lembranças. A alegria talvez não tenha história. Ao olhar para dentro de nós dois ficávamos calados. Teus olhos eram como um rebanho quieto que seu tremor reúne sob a sombra do álamo. O silêncio pôde mais que o esforço. Anoitecia para sempre no céu. Não pudemos voltar a recordá-lo. No mar a brisa era um menino cego. LUIS ROSALES

* TUDO É FOI * poema de António Gedeão

Fecho os olhos por instantes. Abro os olhos novamente. Neste abrir e fechar de olhos já todo o mundo é diferente. Já outro ar me rodeia; outros lábios o respiram; outros aléns se tingiram de outro Sol que os incendeia. Outras árvores se floriram; outro vento as despenteia; outras ondas invadiram outros recantos de areia. Momento, tempo esgotado, fluidez sem transparência. Presença, espectro da ausência, cadáver desenterrado. Combustão perene e fria. Corpo que a arder arrefece. Incandescência sombria. Tudo é foi. Nada acontece. ANTÓNIO GEDEÃO

Alma Minha Gentil Que Partiste " LUIS DE CAMÕES "

Alma minha gentil, que te partiste Tão cedo desta vida, descontente, Repousa lá no Céu eternamente, E viva eu cá na terra sempre triste. Se lá no assento etéreo, onde subiste, Memória desta vida se consente, Não te esqueças daquele amor ardente Que já nos olhos meus tão puro viste. E se vires que pode merecer-te Alguma cousa a dor que me ficou Da mágoa, sem remédio, de perder-te, Roga a Deus, que teus anos encurtou, Que tão cedo de cá me leve a ver-te, Quão cedo de meus olhos te levou. Luís de Camões

" DESPERTAR " poema de Vitor Cintra

Ânsia de amor, quando assalta, Faz com que o sonho esquecido Ganhe, de novo, sentido, Como a essência, que exalta. Ímpeto, de maré alta, Arte, de leito escondido, Dom, de sabor proibido, Fogo, paixão, que ressalta. Perda, carência, dor, falta, Sombra, dum tempo perdido, Chama, prazer reprimido; Onda de choque, ribalta, Corpos, vertigem, gemido, Frémito desinibido. VITOR CINTRA do livro " MURMÚRIOS "

Quando se Gosta de Alguém de
* AMÁLIA RODRIGUES *

Quando se gosta d'alguém Sente-se dentro da gente Ainda não percebi bem Ao certo que é que se sente Quando se gosta d'alguém É de nós que não gostamos Perde-se o sono por quem Perdidos de amor andamos Quando alguém gosta d'alguém Anda assim como ando eu Que não ando nada bem Com este mal que me deu Quando se gosta d'alguém É como estar-se doente Quanto mais amor se tem Pior agente se sente Quando se gosta d'alguém Como eu gosto de quem gosto O desgosto que se tem É desgosto que dá gosto. AMÁLIA RODRIGUES

ÚLTIMO SONETO poema de Mário de Sá-Carneiro

ÚLTIMO SONETO Que rosas fugitivas foste ali! Requeriam-te os tapetes - e vieste ... - Se me dói hoje o bem que me fizeste, É justo, porque muito te devi. Em que seda de afagos me envolvi Quando entraste, nas tardes que apareceste! Como fui de percal quando me deste Tua boca a beijar, que mordi... Pensei que fosse o meu o teu cansaço - Que seria entre nós um longo abraço O tédio que, tão esbelta, te curvava... E fugiste...Que importa? Se deixaste A lembrança violeta que animaste, Onde a minha saudade a Cor se trava? ... MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO