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Filha de Um Amor Proibido - Isabel Valente




Os jovens de hoje não sabem que, na minha geração, haviam
crianças nascidas fora do casamento, e em cujo registo pessoal
constava o nome da Mãe, tendo por pai, um “ Pai Incógnito”.
Estas crianças, eram estigmatizados como, os filhos do pecado,
da vergonha, os filhos da outra.

Eram os filhos fora do casamento, os bastardos.
É que o registo obrigatório com nome de pai é recente, e eu já
sou "Cota".

Para a nova geração onde todos à nascença são registados com o
nome de mãe e de um pai, verdadeiro ou não, não lhes é fácil
entender o que é viver com o facto diário de ser filha de” pai
incógnito”.

Tendo eu passado por essa experiência, não me é difícil
explicar o que é ser filha de Pai Incógnito.
Hoje na maioria das Repartições Públicas todas achamos uma
grande maçada, ter de preencher formulários, para mim, passou
a ser, uma bênção.

Em alguns desses formulários tinha de mencionar o nome de Mãe
e de Pai, então lá vinha o tormento ---Pai Incógnito --- .
Isto era dito em voz baixa, tentando que ninguém ouvisse, na
maioria dos casos não resultava, por esse mesmo motivo, era
obrigada a repetir mais alto, sendo motivo para que toda a
plateia se virasse para ver quem era a santa alminha que era
fruto de tamanho pecado, e mais, ser confrontada com olhares
de censura indirecta, em alguns casos estampado um leve
sorriso de superioridade, e talvez que, se eu lhes lesse o
pensamento…estaria lá bem patente “ aquela é filha da mãe”.
O mesmo acontecia na escola, sempre que a professora me
perguntava o nome dos meus pais, eu respondia o nome da minha
mãe, ela, pensando que eu não tinha entendido que o pretendido
era nome dos PAIS, lá eu era obrigada, envergonhadamente a
dizer “Pai Incógnito “

Ser filha de Pai Incógnito no meu caso, era doloroso,
porquanto não me conformava em conhecer o meu PAI e ser
reconhecida por ele, e esse facto não ser aceite pela própria
sociedade .

A censura ao mesmo tempo recai , naquele homem que traiu a
esposa, e que nem se envergonha do seu próprio pecado, quando
se proclama pai .

A filha de Pai Incógnito, cuja responsabilidade de estar
vivendo esse “ horror “ era o pecado dos progenitores , o
Pecado de um Amor Proibido……sendo eu portanto, a filha de um
amor proibido.

Ser filha de Pai Incógnito, é também sentir nos nossos meios
irmãos esse rancor, porque somos a vergonha que manchou o seio
da sua família, a mágoa com que a mãe deles acorda e adormece.

Outra mesma frente de retracção, se verifica nos outros meios
irmãos, os filhos do novo casamento da mãe, esses sim, filhos
de um pai e de uma mãe, que têm na família um patinho feio,
que lhes lembra não a traição da mãe, mas o pecado dela.
Isso que atrás descrevi é a minha experiência, sentida na pele
de criança.

Hoje a sociedade mudou, existem filhos de pais assumidos que
nunca viram a cara dos seus filhos, nunca pegaram neles ao
colo, nunca lhes deram tão pouco, um pouco de carinho…..ou
mesmo, um pedaço de pão.

Meu Pai, Homem de bem, homem culto e com uma visão fora da sua
época, nunca precisou de Instituições que o obrigassem a
reconhecer as suas obrigações de Pai , no sentido amplo da
palavra, soube ultrapassar todos os obstáculos, próprios da
época afirmando aos amigos e família sem nenhum tipo de
preconceito: ” Esta é a minha filha”.

Felizmente foram ultrapassadas essas Imposições de uma
sociedade fascista, falsa e preconceituosa.
Hoje só quero mesmo é relembrar o homem que adorei, que adoro
e a quem chamei Pai, sem que por isso tenha de exibir o BI….a
minha homenagem a ele , meu PAI.

A minha homenagem à minha MÃE, que foi marginalizada, apontada
pela sociedade, que viveu esse amor, pagando caro o seu
“pecado” .

Benditos sejam os dois, que pecaram para que eu
existisse, e hoje esteja aqui falando para a nova geração
sobre a minha experiência de ser filha de Pai Incógnito.


O nome dessa grande Mulher, minha MÃE é ELVIRA, nome dado também á minha neta.

O nome do HOMEM, mais PAI e corajoso que alguma vez conheci e do qual me orgulho é
JOÃO.


Comentários

  1. Comentários- Filha de Um Amor Proibido

    Name: Jose Mota
    Email Address: j.mota@mail.pt

    Oi pessoal
    Este artigo que a autora do blog postou é de uma profundidade de muito nivel.Ele traça uma panorâmica de uma situação que , infelizmente ,acontecia com alguma frequência em tempos bem recentes .É sempre bom que alguem relembre o passado o que a autora faz com muito brilho.Beijinhos para ela

    ResponderEliminar
  2. Name: João
    Email Address: joaovitor4@msn.com

    São sempre as crianças quem sofre as consequências dos actos dos adultos. A vergonha, o ostracismo, as dolorosas marcas que, na meninice, as atitudes de quem parece querer culpar a criança por situações de que não é responsável e para as quais não contribuiu, são, pela pena da autora, superiormente evidenciadas.
    São testemunhos como este teu que nos obrigam a reflactir.
    Um abraço, Mulher_Mariense.
    João

    ResponderEliminar
  3. Name: Maria
    Email Address: blogela@hotmail.com
    URL: http:blogela.blogspot.com



    Muito bonito, muito sentido!
    Um abraço
    Maria

    ResponderEliminar
  4. Name: Sniper
    Email Address:

    Muito bonito, um beijo!

    ResponderEliminar
  5. Name: PParece
    Email Address: pauloparece@sapo.pt
    URL: http://www.botafaladura.blogspot.com


    Excelente "posta". Com sentimento e realismo próprio de quem já viveu essa angustia. Felizmente os tempos mudaram, e prova disso mesmo é o facto de falarmos sem tabús nem medos.
    Adorei. Beijinhos

    ResponderEliminar
  6. Name: Amaranta Úrsula
    Email Address:




    Um pequena curiosidade histórica, creio mesmo caso único: Eça de Queirós era filho de mãe incógnita (e pai identificado).

    ResponderEliminar
  7. Name: António João Correia
    Email Address: antoniojoao@yahoo.com
    URL: http://www.resistir.blogspot.com



    Texto notável, do melhor que li. Deveria ser obrigatório para os políticos que temos, para os moralistas de serviço. No entanto, não acho que a sociedade açoriana tenha mudado muito

    ResponderEliminar
  8. Gostei muito de ler o teu testemunho de uma realidade que era sentida por muitas crianças há uns bons anitos atrás. A situação mudou um pouco em termos legais, não sei é se isso se reflecte no dia a dia das crianças nessas situações. Obrigada por partilhares connosco a tua experiência. Beijinhos

    ResponderEliminar
  9. Benditos sejam os dois que pecaram, para que tu
    existisses e, hoje estejas aqui falando para a nova geração sobre a tua experiência de ser filha de Pai Incógnito. Peguei o teu texto com a intenção de elogiar os teus pais e a ti. Mereces tudo de bom. Há ainda outras situações: o homem pai, que não sendo incógnito, reage como tal, portanto pai reconhecido, filhos incógnitos... São "dores" que marcam gerações e há sempre o olhar atento da sociedade ao que quer que seja.
    Espero que tenhas recebido uma carta minha há uns dias.
    Um abraço e parabéns por seres como és: Filha de um Amor!
    Azoriana

    ResponderEliminar
  10. Belo texto, bela homenagem à tua Mãe e ao teu pai. Parabéns pela pessoa em que te transformaste.

    ResponderEliminar
  11. Porque é que ler este desabafo me tocou tanto?... Não sei!
    Porque é que relê-lo me toca ainda mais?... Que importa!
    Bem hajas pela devoção que demonstras ter por quem te gerou por amor.
    Beijos.
    João

    ResponderEliminar
  12. Eu faço parte da nova geração essa q n apresenta "Pai Incógnito" no BI, no entanto apesar d saber o nome do meu pai ele nunca participou na minha vida, nunca esteve presente em nenhuma situação boa ou má...
    No entanto foram muitas as vezes q os meus colegas me atacaram com frases como: 'cala-te! tu nem sequer sabes se o teu pai existe ou n...' ou então estava estanpado na cara das pessoas, tal como é referido no post, acharem q eu era uma 'filha da mãe'.
    Agora pouco me importa o q as pessoas dizem a esse reipeito ou n... mas o q me disseram em criança doeu mto!

    bjos pra tds

    ResponderEliminar
  13. Adorei o post. Talvez porque também fui registado como filho de pai incógnito. Fui perfilhado pelo actual marido da minha mãe quando tinha 8 anos.

    Sempre quis saber quem era o meu pai mas sempre me deparei com um enorme muro de silêncio. Felizmente tive uma óptima professora de Moral que me ajudou a encontrá-lo. Falei duas vezes com ele mas sempre negou ser o meu pai, e negou fazer um teste de ADN... Sei que tenho mais irmãos em Lisboa e arredores, gostava de os encontrar...

    Não me esquecerei que nunca me consegui sentir em casa, tive sempre a impressão de estar "a mais" e hoje com quase 41 anos, estou com uma depressão, no ano passado fiquei 6 meses de baixa e lá me vou reconpondo. Por ordem do Psiquiatra tenho de evitar o contacto com a família. Na 2a feira ao ver o Praça da Alegria vi uma moça em que os pais tudo fizeram para a ver licencia-se. Os meus nem sequer vieram, o que interessava eram os resultados da escola. Os meus problemas nunca interessavam, como uma vez me disseram, "deves ter od teus problemas mas não nos chateies com isso, não temos nada a ver com eles".

    Posso dar aos meus 3 filhos uma vida normal, sem segredos e sem tabús. São felizes, e ajudam-me muito. Mas há certas coisas que nunca serão preenchidas, apenas quem passou por elas as compreende!

    ResponderEliminar

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