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Mensagens

A mostrar mensagens de 2016

As minhocas ..... poema de Mário Fragoso

(Pintura de Margarida Cepeda) As Minhocas Pensa as cicatrizes  Como elas chegam e restam Moventes e imutáveis  Grãozinhos de areia na água das tuas vertentes E de sal no teu olhar Verás que não só existem fendas Para espalhar o infinito entre uma parede e outra Nas ruinas Sem nunca deixar alastrar Nem a cor da cal branca Nem as pedras das janelas  Seladas O bicho não pode escapar… Eles disseram-te Sem pensar Que só há humanidade em ti Apertada na sua extravagância E que as serpentes não são mais nada Que minhocas venenosas Mas… Tu sentes-lhes os dentes Vês A suas peles e as suas escamas deslizarem Perfumando-te o corpo Com vestígios de criança que não soube fugir Devorada pela mulher que nunca deu à luz As minhocas predicaram-te um futuro luminoso No nevoeiro das lembranças E no torpor da saudade Mas tu, guardas escondido debaixo da língua  A intimidade da ferida Como um mergulho  Fora da água

Poema em Linha Recta .... Fernando Pessoa

Poema em linha recta Nunca conheci quem tivesse levado porrada. Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo. E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil, Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita, Indesculpavelmente sujo. Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho, Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo, Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas, Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante, Que tenho sofrido enxovalhos e calado, Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda; Eu, que tenho sido cómico às criadas de HOTEL, Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes, Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado [sem pagar, Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado Para fora da possibilidade do soco; Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas, Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

TU TENS UM MEDO de Cecília Meireles

Acabar. Não vês que acabas todo o dia. Que morres no amor. Na tristeza. Na dúvida. No desejo. Que te renovas todo dia. No amor. Na tristeza Na dúvida. No desejo. Que és sempre outro. Que és sempre o mesmo. Que morrerás por idades imensas. Até não teres medo de morrer. E então serás eterno. Não ames como os homens amam. Não ames com amor. Ama sem amor. Ama sem querer. Ama sem sentir. Ama como se fosses outro. Como se fosses amar. Sem esperar. Tão separado do que ama, em ti, Que não te inquiete Se o amor leva à felicidade, Se leva à morte, Se leva a algum destino. Se te leva. E se vai, ele mesmo... Não faças de ti Um sonho a realizar. Vai. Sem caminho marcado. Tu és o de todos os caminhos. Sê apenas uma presença. Invisível presença silenciosa. Todas as coisas esperam a luz, Sem dizerem que a esperam. Sem saberem que existe. Todas as coisas esperarão por ti, Sem te falarem. Sem lhes falares. Sê o que renuncia Altamente: Sem tristeza da tua renúncia! Sem orgulho da tua renúncia! Abre

Sonho. Não sei quem sou....Fernando Pessoa

Sonho. Não Sei quem Sou Sonho. Não sei quem sou neste momento.  Durmo sentindo-me. Na hora calma  Meu pensamento esquece o pensamento,               Minha alma não tem alma.  Se existo é um erro eu o saber. Se acordo  Parece que erro. Sinto que não sei.  Nada quero nem tenho nem recordo.               Não tenho ser nem lei.  Lapso da consciência entre ilusões,  Fantasmas me limitam e me contêm.  Dorme inconsciente de alheios corações,               Coração de ninguém.  Fernando Pessoa
O grande poeta VICTOR CINTRA deixou-nos. Fica o seu legado de poemas que permanecerão através dos tempos. Partiu o amigo. Até um dia Sinto crescer a vontade De perceber se o que dizes, Entre risadas felizes, É ou não é a verdade, Ou só disfarça deslizes. Sinto crescer o desejo De te cingir nos meus braços, P'ra te prender com abraços, E arrancar-te num beijo Todos os teus embaraços. Sinto crescer a ideia De que, bem mais do que mostras, São bem reais as propostas Duma visão que incendeia Esse viver, de que gostas. VITOR CINTRA