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Mensagens

A mostrar mensagens de junho, 2010

Ilhas Encantadas---- poema de MANUELA BULCÃO

(Fotografia de Ana Loura) Açores paisagem única, visão imaculada Fontes da vida, Águas puras inócuas Água translúcida, pura fonte da vida Vegetação única da natureza, intocável terra orvalhada Arquipélago Ilhas encantadas, meus olhos brotam lágrimas perpétuas A saudade, do cheiro a maresia é escrava do meu lamento Jardins à beira mar plantados, pérolas do oceano. Açores minhas ilhas meus amores Sou filha do nada Filha encantada, filha rejeitada, filha mal amada Sou tudo, sou nada, serei idolatrada Amante insular Um dia serei amada, PRINCESA ENCANTADA Manuela Bulcão (Poetisa Açoreana)

Adeus/Não-Adeus ...poema de MANUELA BULCÃO

Qual o significado desta pequena palavra? Entrada na inexistência pura da saudade Tanto a proferi nesta existência Somos companheiros do pesar Amantes furiosos das ondas de uma mera tempestade Não me queria despedir de ti eternamente Sinto-me frágil na tua presença distante Do outro lado do oceano estás Num quarto sonolento estou prostrada Nunca te direi ADEUS, meu amor ! Tatuaste-me e acariciaste esta fera Agora mergulho o meu corpo cansado na escuridão Sempre a pensar na tua essência que desconheço… Um NÃO-ADEUS para ti! Manuela Bulcão (Poetisa Açoreana)

Serradura......poema de Mário Sá Carneiro

(Pintura de Margarida Cepêda ) A minha vida sentou-se E não há quem a levante, Que desde o Poente ao Levante A minha vida fartou-se. E ei-la, a mona, lá está, Estendida, a perna traçada, No indindável sofá Da minha Alma estofada. Pois é assim: a minha Alma Outrora a sonhar de Rússias, Espapaçou-se de calma, E hoje sonha só pelúcias. Vai aos Cafés, pede um bock, Lê o "matin" de castigo, E não há nenhum remoque Que a regresse ao Oiro antigo: Dentro de mim é um fardo Que não pesa, mas que maça: O zumbido dum moscardo, Ou comichão que não passa. Folhetim da "capital"; Pelo nosso Júlio Dantas --- Ou qualquer coisa entre tantas Duma antipatia igual... O raio já bebe vinho, Coisa que nunca fazia, E fuma o seu cigarrinho Em plena burocracia!... Qualquer dia, pela certa, Quando eu mal me precate, É capaz dum disparate, Se encontra a porta aberta... Isto assim não pode ser... Mas como achar um remédio?

Lágrimas Ocultas ...Florbela Espanca

Se me ponho a cismar em outras eras Em que ri e cantei, em que era q'rida, Parece-me que foi noutras esferas, Parece-me que foi numa outra vida... E a minha triste boca dolorida Que dantes tinha o rir das Primaveras, Esbate as linhas graves e severas E cai num abandono de esquecida! E fico, pensativa, olhando o vago... Toma a brandura plácida dum lago O meu rosto de monja de marfim... E as lágrimas que choro, branca e calma, Ninguém as vê brotar dentro da alma! Ninguém as vê cair dentro de mim! Florbela Espanca

Modinha...poema de " CECÍLIA MEIRELES "

Tuas palavras antigas Deixei-as todas, deixeia-as, Junto com as minhas cantigas, Desenhadas nas areias. Tantos sóis e tantas luas Brilharam sobre essas linhas, Das cantigas — que eram tuas — Das palavras — que eram minhas! O mar, de língua sonora, Sabe o presente e o passado. Canta o que é meu, vai-se embora: Que o resto é pouco e apagado. Cecília Meireles

Horizonte....poema de Fernando Pessoa

O mar anterior a nós, teus medos Tinham coral e praias e arvoredos. Desvendadas a noite e a cerração, As tormentas passadas e o mistério, Abria em flor o Longe, e o Sul sidério 'Splendia sobre as naus da iniciação. Linha severa da longínqua costa — Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta Em árvores onde o Longe nada tinha; Mais perto, abre-se a terra em sons e cores: E, no desembarcar, há aves, flores, Onde era só, de longe a abstrata linha O sonho é ver as formas invisíveis Da distância imprecisa, e, com sensíveis Movimentos da esp'rança e da vontade, Buscar na linha fria do horizonte A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte — Os beijos merecidos da Verdade. Fernando Pessoa

Reinvenção ....de CECÍLIA MEIRELES

(Foto de Antonimus) A vida só é possível reinventada. Anda o sol pelas campinas e passeia a mão dourada pelas águas, pelas folhas... Ah! tudo bolhas que vem de fundas piscinas de ilusionismo... — mais nada. Mas a vida, a vida, a vida, a vida só é possível reinventada. Vem a lua, vem, retira as algemas dos meus braços. Projeto-me por espaços cheios da tua Figura. Tudo mentira! Mentira da lua, na noite escura. Não te encontro, não te alcanço... Só — no tempo equilibrada, desprendo-me do balanço que além do tempo me leva. Só — na treva, fico: recebida e dada. Porque a vida, a vida, a vida, a vida só é possível reinventada. Cecília Meireles

Não Sei Quantas Almas Tenho...... de ...Fernando Pessoa

Não sei quantas almas tenho. Cada momento mudei. Continuamente me estranho. Nunca me vi nem achei. De tanto ser, só tenho alma. Quem tem alma não tem calma .Quem vê é só o que vê, Quem sente não é quem é, Atento ao que sou e vejo, Torno-me eles e não eu. Cada meu sonho ou desejo É do que nasce e não meu. Sou minha própria paisagem, Assisto à minha passagem, Diverso, móbil e só, Não sei sentir-me onde estou. Por isso, alheio, vou lendo Como páginas, meu ser. O que segue não prevendo, O que passou a esquecer. Noto à margem do que li O que julguei que senti. Releio e digo: < > Deus sabe, porque o escreveu. Fernando Pessoa