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A mostrar mensagens de 2010

Talvez seja o Nada

Sinto-me a acordar do sonho, do levitar sobre a realidade. Acordar para ver, que a vida é feita em tons de cinzento e sentir que a solidão é a constante companheira. Que a vida passa, no dia a dia vazio, apenas repleto de nada ou de muita incerteza Não não existe calor humano, presença, carinho, palavras, afectos, gestos. A angústia, tristeza, solidão, o aperto na garganta, a dor no peito, transformaram-se em problemas crónicos. Tudo é vago, tudo é incerto. Não se conjuga no presente, o querer, desejar, ansear, sonhar, amar. A incerteza é uma certeza, aliada do talvez. Talvez vá...talvez fique....talvez possa... talvez venha, e no fundo o talvez é a certeza do nada. Apenas assisto ao passar da vida como se fosse um sonho, um filme ou uma miragem. Não me vejo, sou apenas sombra de mim mesma, o segundo plano, a terceira hipótese, a quarta opção, e na quinta, não existo e o que sinto, não conta para nada. Sinto que a ingenuidade, a crença o sentimento, o sonho, a

Os Ombros Suportam o Mundo .... de Carlos Drumond de Andrade

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus. Tempo de absoluta depuração. Tempo em que não se diz mais: meu amor. Porque o amor resultou inútil. E os olhos não choram. E as mãos tecem apenas o rude trabalho. E o coração está seco. Em vão mulheres batem à porta, não abrirás. Ficaste sozinho, a luz apagou-se, mas na sombra teus olhos resplandecem enormes. És todo certeza, já não sabes sofrer. E nada esperas de teus amigos. Pouco importa venha velhice, que é a velhice? Teus ombros suportam o mundo e ele não pesa mais que a mão de uma criança. As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios provam apenas que a vida prossegue e nem todos se libertaram ainda. Alguns, achando bárbaro o espetáculo, prefeririam (os delicados) morrer. Chegou um tempo em que não adianta morrer. Chegou um tempo em que a vida é uma ordem. A vida apenas, sem mistificação. Carlos Drumond de Andrade

O tempo do amor

Quem não procura viver um amor... Um grande amor? Busca-se, encontra-se ou conquista-se. O tempo transmuta o sentimento, Antes :  amor-paixão, amor-desejo, amor-loucura, amor-plenitude. Depois: amor-comodismo, amor-sociedade, amor-amizade Amor Ultra_Passado! Quando o amor vem, já chega com tempo determinado. Imsc

Não Sei Se Eras Tu....poema de Fernando Cardoso

Não sei se eras tu… Naquele dia, naquela hora E naquele sítio Onde nos encontrávamos outrora. Mas aquele ser, Esbelto e esguio, Olhou-me e sorriu Com tal emoção Como se me conhecesse De outra encarnação. Não sei se eras tu… Aquele ser de luz Que não falou E se evolou Entre a multidão, Lesta e sem fim, E que teima habitar Dentro de mim… FERNANDO CARDOSO

Amo-te Muito, Muito! poema de "JOÃO DE DEUS "

Amo-te muito, muito! Reluz-me o paraíso Num teu olhar fortuito, Num teu fugaz sorriso! Quando em silêncio finges Que um beijo foi furtado E o rosto desmaiado De cor-de-rosa tinges, Dir-se-á que a rosa deve Assim ficar com pejo Quando a furtar-lhe um beijo O zéfiro se atreve! E às vezes que te assalta Não sei que idem, jovem, Que o rosto se te esmalta De lágrimas que chovem; Que fogo é que em ti lavra E as forças te aniquila, Que choras, mas tranquila, E nem uma palavra?... Oh! se essa mudez tua É como a que eu conservo Lá quando à noite observo O que no céu flutua; Ou quando à luz que adoro Às horas do infinito, Nas rochas de granito Os braços cruzo e choro; Amamo-nos! Não cabe Em nossa pobre língua O que a alma sente, à mingua De voz... que só Deus sabe! João de Deus

O Dinheiro ... poema de JOÃO DE DEUS

O dinheiro é tão bonito, Tão bonito, o maganão! Tem tanta graça, o maldito, Tem tanto chiste, o ladrão! O falar, fala de um modo... Todo ele, aquele todo... E elas acham-no tão guapo! Velhinha ou moça que veja, Por mais esquiva que seja, Tlim! Papo. E a cegueira da justiça Como ele a tira num ai! Sem lhe tocar com a pinça; E só dizer-lhe: «Aí vai...» Operação melindrosa, Que não é lá qualquer coisa; Catarata, tome conta! Pois não faz mais do que isto, Diz-me um juiz que o tem visto: Tlim! Pronta. Nessas espécies de exames Que a gente faz em rapaz, São milagres aos enxames O que aquele demo faz! Sem saber nem patavina De gramática latina, Quer-se um rapaz dali fora? Vai ele com tais falinhas, Tais gaifonas, tais coisinhas... Tlim! Ora... Aquela fisionomia É lábia que o demo tem! Mas numa secretaria Aí é que é vê-lo bem! Quando ele de grande gala, Entra o ministro na sala, Aproveita a ocasião: «Conhece este amigo anti

AMÉRICO SILVA " Amar Como Eu Sei "

Republico este poema por ser sempre actual AMAR  Como eu sei... Amar não se inventa, não nasce, não morre, Faz parte do sangue que corre apressado, É o fogo suave, que aquece a vida É o luar de Agosto, é a chuva de Outono. É a flor que desponta, é a folha que cai, É um brilho nos olhos, um sorriso nos lábios É o beijo que deslumbra, é o medo que angustía É uma chegada desejada, uma partida desolada. É um caminhar lado a lado, num vulcão adormecido, É um beijo inesperado, numa viagem sem destino, É uma paragem inesperada, entre hortênsias e hortelã É uma caricia fugidia, numa estrada molhada. É um caminhar à tôa, na noite acolhedora, À procura do nada, no silêncio da alma, No escuro protector duma montanha distante. É a ousadia de sentir, o prazer de encontrar. É o primeiro olhar, sorriso,  abraço, beijo.... O primeiro pulsar inquieto, a primeira angustia A primeira dúvida, a primeira incerteza, Sentir que o vento não se agarra, que

" Poema da Vida " de José Maria Lopes de Araújo

Perguntas-me o que é a vida! A Vida, meu amor, É Amor E ódio e talvez Morte … E é semente de Bem que germina Ventura … Vida é isto … E mais do que isto: É Cristo Na imagem do nosso semelhante; É Amor … É Bem! … O mar, no seu bramir Constante, Grita Vida, vida que vem Das suas entranhas, No pão do marinheiro, No pão do pescador. Vida é o adeus Na hora da partida … É a angústia De não poder Estender A mão, Quando outras mãos, Em gesto aflito Suplicam ajuda … Vida É fome em tugúrios … É esplendor Em palácios … Vida É o grito sufocado Que o ódio atiça … O grito atormentado Dos que clamam, em vão, Piedade, amor e justiça! … Vida, Meu Amor, É todo este Mundo De podridão e de beleza, Onde se confundem, Em abismo profundo, O Ódio e o Amor, A Paz e a Dor, A Alegria e a Tristeza! … Vida é o sorriso enganador, A soberba revoltante, A mentira da verdade Que se jura a cada instante … Vida É o negrume do cárcere Onde s

Palavras e Silêncios ....de Fernando Pessoa

É fácil trocar as palavras, Difícil é interpretar os silêncios! É fácil caminhar lado a lado, Difícil é saber como se encontrar! É fácil beijar o rosto, Difícil é chegar ao coração! É fácil apertar as mãos, Difícil é reter o calor! É fácil sentir o amor, Difícil é conter sua torrente! Como é por dentro outra pessoa? Quem é que o saberá sonhar? A alma de outrem é outro universo Com que não há comunicação possível, Com que não há verdadeiro entendimento. Nada sabemos da alma Senão da nossa; As dos outros são olhares, São gestos, são palavras, Com a suposição De qualquer semelhança no fundo   Fernando Pessoa

Um Dia....Mário Quintana

...Um dia descobrimos que beijar uma pessoa para esquecer outra, é bobagem. Você não só não esquece a outra pessoa como pensa muito mais nela... Um dia nós percebemos que as mulheres têm instinto "caçador" e fazem qualquer homem sofrer ... Um dia descobrimos que se apaixonar é inevitável... Um dia percebemos que as melhores provas de amor são as mais simples... Um dia percebemos que o comum não nos atrai... Um dia saberemos que ser classificado como "bonzinho" não é bom... Um dia perceberemos que a pessoa que nunca te liga é a que mais pensa em você... Um dia saberemos a importância da frase: "Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas..." Um dia percebemos que somos muito importante para alguém, mas não damos valor a isso... Um dia percebemos como aquele amigo faz falta, mas ai já é tarde demais... Enfim... Um dia descobrimos que apesar de viver quase um século esse tempo todo não é suficiente para realizarmo

O Sexo Comanda a Vida....de Pedro Barroso

Os jogos começam cedo no descobrir colectivo no gesto subentendido no procurar sem saber Tanta falta, tão escondida tanta mentira mentida tanta busca de aprender e a vontade a mandar, e os adultos a não querer e as coisas a acontecer... Depois, vem o corpo e manda; vem a sorte e o acaso mais a vida convivida que nos ensina sabores preferências e valores coisas que vão dar azo a uma culpa indefinida... Paixões, ímpetos, calores, amores breves no recreio aventuras sem ter freio - E o sexo comanda a vida E desculpa-me Gedeão homem maior, professor, há momentos em que creio que mais que o sonho e o valor mais que o talento ou a dor mais que a vida acontecida mais mesmo que o próprio amor mérito, glória ou louvor. Tem dias, secretos dias tem horas, secretas horas momentos acres, desejos. Em que nos vem um ardor uma razão cá de dentro mais forte que o pensamento Soprando mai

A Lágrima....Guerra Junqueiro

Manhã de Junho ardente. Uma encosta escavada, Sêca, deserta e nua, à beira d'uma estrada. Terra ingrata, onde a urze a custo desabrocha, Bebendo o sol, comendo o pó, mordendo a rocha. Sôbre uma folha hostil duma figueira brava, Mendiga que se nutre a pedregulho e lava, A aurora desprendeu, compassiva e divina, Uma lágrima etérea, enorme e cristalina. Lágrima tão ideal, tão límpida, que ao vê-la, De perto era um diamante e de longe uma estrêla. Passa um rei com o seu cortejo de espavento, Elmos, lanças, clarins, trinta pendões ao vento. - "No meu diadema, disse o rei, quedando a olhar, Há safiras sem conta e brilhantes sem par, "Há rubins orientais, sangrentos e doirados, Como beijos d'amor, a arder, cristalizados. "Há pérolas que são gotas de mágua imensa, Que a lua chora e verte, e o mar gela e condensa. "Pois, brilhantes, rubins e pérolas de Ofir, Tudo isso eu dou, e vem, ó lágrima, fulgir "Nesta c&

Poema de Pablo Picasso

Deita fora todos os números não essenciais à tua sobrevivência. Isso inclui idade, peso e altura. Deixa o médico preocupar-se com eles. É para isso que ele é pago. Frequenta, de preferência, amigos alegres. Os de "baixo astral" põem-te em baixo. Continua aprendendo... Aprende mais sobre computador, artesanato, jardinagem, qualquer coisa. Não deixes o teu cérebro desocupado. Uma mente sem uso é a oficina do diabo. E o nome do diabo é Alzheimer. Aprecia coisas simples. Ri sempre, muito e alto. Ri até perder o fôlego. Lágrimas acontecem. Aguenta, sofre e segue em frente. A única pessoa que te acompanha a vida toda és tu mesmo. Mantém-te vivo, enquanto vives! Rodeia-te daquilo de que gostas: Família, animais, lembranças, músicas, plantas, um hobby, o que for. O teu lar é o teu refúgio. Aproveita a tua saúde; Se for boa, preserva-a. Se está instável, melhora-a. Se está abaixo desse nível, pede ajuda. Não faças viagens de remorso. Viaja

Ausência....VINICIUS DE MORAES

Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto. No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz. Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado. Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada Que ficou sobre a minha carne como nódoa do passado. Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face. Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada. Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite. Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa. Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço. E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado. Eu ficarei só como os veleiros nos pontos silencio

As Escadas de São Bento.... poema de Manuela Bulcão

Rugas na cara Cigarro esvoaçante ar cansado Minissaia apertada de feridas Corpo de traste Sorriso desfeito pela pancada e felatio Mulher objecto Arranhada pela sede de sexo dos homens Criança perdida Lupanário ao ar livre sobre o céu do Porto Vitima ou criminosa? Acaso ou simples fome para matar? Vicio ou escravidão? Perguntas e mais perguntas… Vejo aí nas escadarias de São Bento Passo e olho Fico presa no hábito mundano de ignorar E sigo atrasada nos meus afazeres e papeis Bastava uma palavra para a salvar? Manuela Bulcão

Poesia da Felicidade........FERNANDO PESSOA

Não se acostume com o que não o faz feliz, revolte-se quando julgar necessário. Alague seu coração de esperanças, mas não deixe que ele se afogue nelas. Se achar que precisa voltar, volte! Se perceber que precisa seguir, siga! Se estiver tudo errado, comece novamente. Se estiver tudo certo, continue. Se sentir saudades, mate-a. Se perder um amor, não se perca! Se o achar, segure-o!   FERNANDO PESSOA

Preguiça.... poema de Manuela Bulcão

Olho para o céu nocturno A escuridão lembra a tua pele Chocolate de leite Vislumbra a camada de nuvens Os fios de cabelo grisalho Rasgam o castanho da minha íris Saboreio o sal do mar Emersa na escuridão do teu olhar Coisa estranha e rara E, Rendo-me à preguiça da imaginação Presa na lentidão matinal de esperar pela tua chamada Continuo assim enrolada, Nos lençóis… Manuela Bulcão

Obessão do Mar Oceano...poema de MÁRIO QUINTANA

Vou andando feliz pelas ruas sem nome... Que vento bom sopra do Mar Oceano! Meu amor eu nem sei como se chama, Nem sei se é muito longe o Mar Oceano... Mas há vasos cobertos de conchinhas Sobre as mesas... e moças na janelas Com brincos e pulseiras de coral... Búzios calçando portas... caravelas Sonhando imóveis sobre velhos pianos... Nisto, Na vitrina do bric o teu sorriso, Antínous, E eu me lembrei do pobre imperador Adriano, De su'alma perdida e vaga na neblina... Mas como sopra o vento sobre o Mar Oceano! Se eu morresse amanhã, só deixaria, só, Uma caixa de música Uma bússola Um mapa figurado Uns poemas cheios de beleza única De estarem inconclusos... Mas como sopra o vento nestas ruas de outono! E eu nem sei, eu nem sei como te chamas... Mas nos encontramos sobre o Mar Oceano, Quando eu também já não tiver mais nome. Mário Quintana

Ilhas Encantadas---- poema de MANUELA BULCÃO

(Fotografia de Ana Loura) Açores paisagem única, visão imaculada Fontes da vida, Águas puras inócuas Água translúcida, pura fonte da vida Vegetação única da natureza, intocável terra orvalhada Arquipélago Ilhas encantadas, meus olhos brotam lágrimas perpétuas A saudade, do cheiro a maresia é escrava do meu lamento Jardins à beira mar plantados, pérolas do oceano. Açores minhas ilhas meus amores Sou filha do nada Filha encantada, filha rejeitada, filha mal amada Sou tudo, sou nada, serei idolatrada Amante insular Um dia serei amada, PRINCESA ENCANTADA Manuela Bulcão (Poetisa Açoreana)

Adeus/Não-Adeus ...poema de MANUELA BULCÃO

Qual o significado desta pequena palavra? Entrada na inexistência pura da saudade Tanto a proferi nesta existência Somos companheiros do pesar Amantes furiosos das ondas de uma mera tempestade Não me queria despedir de ti eternamente Sinto-me frágil na tua presença distante Do outro lado do oceano estás Num quarto sonolento estou prostrada Nunca te direi ADEUS, meu amor ! Tatuaste-me e acariciaste esta fera Agora mergulho o meu corpo cansado na escuridão Sempre a pensar na tua essência que desconheço… Um NÃO-ADEUS para ti! Manuela Bulcão (Poetisa Açoreana)

Serradura......poema de Mário Sá Carneiro

(Pintura de Margarida Cepêda ) A minha vida sentou-se E não há quem a levante, Que desde o Poente ao Levante A minha vida fartou-se. E ei-la, a mona, lá está, Estendida, a perna traçada, No indindável sofá Da minha Alma estofada. Pois é assim: a minha Alma Outrora a sonhar de Rússias, Espapaçou-se de calma, E hoje sonha só pelúcias. Vai aos Cafés, pede um bock, Lê o "matin" de castigo, E não há nenhum remoque Que a regresse ao Oiro antigo: Dentro de mim é um fardo Que não pesa, mas que maça: O zumbido dum moscardo, Ou comichão que não passa. Folhetim da "capital"; Pelo nosso Júlio Dantas --- Ou qualquer coisa entre tantas Duma antipatia igual... O raio já bebe vinho, Coisa que nunca fazia, E fuma o seu cigarrinho Em plena burocracia!... Qualquer dia, pela certa, Quando eu mal me precate, É capaz dum disparate, Se encontra a porta aberta... Isto assim não pode ser... Mas como achar um remédio?

Lágrimas Ocultas ...Florbela Espanca

Se me ponho a cismar em outras eras Em que ri e cantei, em que era q'rida, Parece-me que foi noutras esferas, Parece-me que foi numa outra vida... E a minha triste boca dolorida Que dantes tinha o rir das Primaveras, Esbate as linhas graves e severas E cai num abandono de esquecida! E fico, pensativa, olhando o vago... Toma a brandura plácida dum lago O meu rosto de monja de marfim... E as lágrimas que choro, branca e calma, Ninguém as vê brotar dentro da alma! Ninguém as vê cair dentro de mim! Florbela Espanca

Modinha...poema de " CECÍLIA MEIRELES "

Tuas palavras antigas Deixei-as todas, deixeia-as, Junto com as minhas cantigas, Desenhadas nas areias. Tantos sóis e tantas luas Brilharam sobre essas linhas, Das cantigas — que eram tuas — Das palavras — que eram minhas! O mar, de língua sonora, Sabe o presente e o passado. Canta o que é meu, vai-se embora: Que o resto é pouco e apagado. Cecília Meireles

Horizonte....poema de Fernando Pessoa

O mar anterior a nós, teus medos Tinham coral e praias e arvoredos. Desvendadas a noite e a cerração, As tormentas passadas e o mistério, Abria em flor o Longe, e o Sul sidério 'Splendia sobre as naus da iniciação. Linha severa da longínqua costa — Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta Em árvores onde o Longe nada tinha; Mais perto, abre-se a terra em sons e cores: E, no desembarcar, há aves, flores, Onde era só, de longe a abstrata linha O sonho é ver as formas invisíveis Da distância imprecisa, e, com sensíveis Movimentos da esp'rança e da vontade, Buscar na linha fria do horizonte A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte — Os beijos merecidos da Verdade. Fernando Pessoa

Reinvenção ....de CECÍLIA MEIRELES

(Foto de Antonimus) A vida só é possível reinventada. Anda o sol pelas campinas e passeia a mão dourada pelas águas, pelas folhas... Ah! tudo bolhas que vem de fundas piscinas de ilusionismo... — mais nada. Mas a vida, a vida, a vida, a vida só é possível reinventada. Vem a lua, vem, retira as algemas dos meus braços. Projeto-me por espaços cheios da tua Figura. Tudo mentira! Mentira da lua, na noite escura. Não te encontro, não te alcanço... Só — no tempo equilibrada, desprendo-me do balanço que além do tempo me leva. Só — na treva, fico: recebida e dada. Porque a vida, a vida, a vida, a vida só é possível reinventada. Cecília Meireles

Não Sei Quantas Almas Tenho...... de ...Fernando Pessoa

Não sei quantas almas tenho. Cada momento mudei. Continuamente me estranho. Nunca me vi nem achei. De tanto ser, só tenho alma. Quem tem alma não tem calma .Quem vê é só o que vê, Quem sente não é quem é, Atento ao que sou e vejo, Torno-me eles e não eu. Cada meu sonho ou desejo É do que nasce e não meu. Sou minha própria paisagem, Assisto à minha passagem, Diverso, móbil e só, Não sei sentir-me onde estou. Por isso, alheio, vou lendo Como páginas, meu ser. O que segue não prevendo, O que passou a esquecer. Noto à margem do que li O que julguei que senti. Releio e digo: < > Deus sabe, porque o escreveu. Fernando Pessoa

Como Eu Não Possou..... de Mário de Sá Carneiro

Olho em volta de mim. Todos possuem --- Um afecto, um sorriso ou um abraço. Só para mim as ânsias se diluem E não possuo mesmo quando enlaço. Roça por mim, em longe, a teoria Dos espasmos golfados ruivamente; São êxtases da cor que eu fremiria, Mas a minh'alma pára e não os sente! Quero sentir. Não sei... perco-me todo... Não posso afeiçoar-me nem ser eu: Falta-me egoísmo para ascender ao céu, Falta-me unção pra me afundar no lodo. Não sou amigo de ninguém. Pra o ser Forçoso me era antes possuir Quem eu estimasse --- ou homem ou mulher, E eu não logro nunca possuir!... Castrado de alma e sem saber fixar-me, Tarde a tarde na minha dor me afundo... Serei um emigrado doutro mundo Que nem na minha dor posso encontrar-me?... Como eu desejo a que ali vai na rua, Tão ágil, tão agreste, tão de amor... Como eu quisera emaranhá-la nua, Bebê-la em espasmos de harmonia e cor!... Desejo errado... Se a tivera um dia, Toda sem véus, a carne

Noções.....de CECÍLIA MEIRELES

(Pintura da artista Margarida Cepêda) ................................... Entre mim e mim, há vastidões bastantes para a navegação dos meus desejos afligidos. Descem pela água minhas naves revestidas de espelhos. Cada lâmina arrisca um olhar, e investiga o elemento que a atinge. Mas, nesta aventura do sonho exposto à correnteza, só recolho o gosto infinito das respostas que não se encontram. Virei-me sobre a minha própria experiência, e contemplei-a. Minha virtude era esta errância por mares contraditórios, e este abandono para além da felicidade e da beleza. Ó meu Deus, isto é minha alma: qualquer coisa que flutua sobre este corpo efêmero e precário, como o vento largo do oceano sobre a areia passiva e inúmera... Cecília Meireles

Existir é Ser Possível Haver Ser....de ÁLVARO DE CAMPOS

(Pintura de MARGARIDA CEPÊDA) Ah, perante esta única realidade, que é o mistério, Perante esta única realidade terrível — a de haver uma realidade, Perante este horrível ser que é haver ser, Perante este abismo de existir um abismo, Este abismo de a existência de tudo ser um abismo, Ser um abismo por simplesmente ser, Por poder ser, Por haver ser! — Perante isto tudo como tudo o que os homens fazem, Tudo o que os homens dizem, Tudo quanto constroem, desfazem ou se constrói ou desfaz através deles, Se empequena! Não, não se empequena... se transforma em outra coisa — Numa só coisa tremenda e negra e impossível, Urna coisa que está para além dos deuses, de Deus, do Destino —Aquilo que faz que haja deuses e Deus e Destino, Aquilo que faz que haja ser para que possa haver seres, Aquilo que subsiste através de todas as formas, De todas as vidas, abstratas ou concretas, Eternas ou contingentes, Verdadeiras ou falsas! Aquilo que, quando se abrangeu tudo, ai