
Aquele homem estava em sua casa,
a comer bolachas com manteiga
e a beber leite frio.
A certo momento,
deu-lhe para reparar em todas as coisas
que o rodeavam.
Havia meias de mulher
numa corda esticada por cima da sua
cabeça, loiça suja sobre a
mesa, fruta de verão a
apodrecer
— e até, algures, um
gato.
Havia muitas coisas, sem dúvida,
mas aquelas três ou quatro bastavam-lhe
para que se sentisse um estranho
naquele lugar — ou ele mesmo,
mas noutro lugar. Era como
se estivesse ali pela primeira vez.
e daí sentiu
que podia estar a ser
como se fosse um homem
de qualquer parte do mundo:
um homem com as suas
questões habituais,
os seus problemas típicos,
as suas esperanças,
os seus receios.
Um homem sozinho — porque
membro de toda e qualquer família,
pai de todos os filhos, amante ou
companheiro de todas as mulheres,
sangue,
avô,
amizade,
semelhante.
E então aquele homem pensou:
agora
vou-me deitar ao lado da minha
mulher, que dorme hoje na
falta de mim — eu, talvez perdido
na obscura noite das minhas obsessões
— e, no entanto,
parece-me que tudo isto
está cada vez mais estranho.
Quer dizer: não sei que mulher é essa.
Não a conheço.
Pensando bem, nem sequer das suas feições
me consigo lembrar.
todavia, sei que está lá.
Desejo-a.
Através dela, cavalheiros,
aprendi que todas as mulheres desejam sentir,
cada vez que fazem amor,
o incómodo ou dúbio prazer
de estarem a ser violadas.
E então o homem escreve,
e sente-se só, na sua casa,
e não sabe o que há-de fazer.
Fuma.
Escreve mais um pouco.
Talvez escreva isto.
Talvez escreva:
"sei muito bem do que estou a falar".
Mas a verdade é que é muito difícil
falar-se da solidão de um homem
na sua própria casa.
Sei muito bem
do que estou a falar.
ALEXANDRE DALE
Escreve mais um pouco.
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Escrever, escrever, uma forma de afastar os fantasmas. E no fim, chega-se à conclusão, de que, não se escreveu coisa nenhuma.
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Fica bem.
E a felicidade 'possível' por aí.
Manuel