(Pintura de Margarida Cepeda)
As Minhocas
Pensa as cicatrizes
Como elas chegam e restam
Moventes e imutáveis
Grãozinhos de areia na água das tuas vertentes
E de sal no teu olhar
Verás que não só existem fendas
Para espalhar o infinito
entre uma parede e outra
Nas ruinas
Sem nunca deixar alastrar
Nem a cor da cal branca
Nem as pedras das janelas
Seladas
O bicho não pode escapar…
Eles disseram-te
Sem pensar
Que só há humanidade em ti
Apertada na sua extravagância
E que as serpentes não são mais nada
Que minhocas venenosas
Mas…
Tu sentes-lhes os dentes
Vês
A suas peles e as suas escamas deslizarem
Perfumando-te o corpo
Com vestígios de criança que não soube fugir
Devorada pela mulher que nunca deu à luz
As minhocas predicaram-te um futuro luminoso
No nevoeiro das lembranças
E no torpor da saudade
Mas tu, guardas escondido debaixo da língua
A intimidade da ferida
Como um mergulho
Fora da água
Onde elas te querem afogar
E essa cal, esse branco venceu-te
Uma vez
Sendo mais que o suficiente
Para o peso dos teus passos cavar no chão
O sulco absurdo onde tremem ossos sem carne
Agora, as ruínas pesam sobre o amanhã
E as sombras que engoliste
Borboletam nas beiras dum trilho demasiado largo
Brincando aos fantasmas
Perante a palidez da tez
Dos espelhos
As minhocas e a cabeça….
Duo improvável
Como sem querer
Deixam atrás de ti o rasto dos espectros
Esfarrapados
Que pintam de negro as tuas vertigens
Não esqueças que as grades
Onde elas te fecham
Se cortam
Unhas voltadas para dentro
Pensa as cicatrizes
Porque eu não soube ….
Pensá-las.
Mário Fragoso
Belo texto.
ResponderEliminar