Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.
Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.
Pouco importa venha velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.
Carlos Drumond de Andrade
Lindo isto, Isabel...
ResponderEliminarNaquele tempo
ResponderEliminareu acreditava no amor
Deus era a própria natureza
o colibri a flor
tinha namorada
e lhe mandava uma margarida
e um poema de pura paixão
comia chocolates de amêndoas
nas tardes quentes de P.V
assistia o balé das andorinhas
tomando tacacá com murupi
caminhava feliz
mesmo com toda a ditadura
tinha cabelos compridos
desenhava cogumelos coloridos
com lápis de cera
e borboletas com hidrocores
depois libertava-as na minha
imaginação
fumava meu cigarro industrial livremente
comia meu cachorro-quente alienado
com refrigerante artificial açucarado
andava pela estrada de ferro madeira-mamoré
curtia o pôr do sol no madeira
dançava com os botos encantados
encarnados pela água amarela
hoje não tenho mais namorada
apenas um mal me quer despetalado
afogado espetado no vaso
decaído pro lado da sombra
as andorinhas e os botos foram extintos
o Deus natureza foi morto na universidade
a democracia restringiu quase tudo
a madeira-mamoré e o pôr do sol no cai n água
foram apagados pelas hidrelétricas
e o amor se tornou um conceito inútil.
Luiz Alfredo - poeta